ENXERGAVA TUDO PRETO, PONTILHADO COMO SE TIVESSE CAIDO EM UM APARELHO FORA DO AR, CHAPISCADO CALEIDOSCÓPIO NEGRO DE VERÃO. SENTADA NO BARCO CONTINUEI IMÓVEL DE CORPO, POR QUE A MENTE TINHA A VORAZ ÂNSIA DE ESCREVER QUALQUER COISA, QUALQUER LINHA ABSURDA, DESNUDA, AGUDA , FELPUDA, CASACUDA, LÍRICA, TESUDA, CARNUDA, DUVIDOSA, ASQUEROSA, SEI LÁ...

terça-feira, 14 de dezembro de 2010


com mademoiselle Surucucu a noite era tre tremenda. No jantar pedia para a senhorita torta de amora com hortelã, suflê de de framboesa e strogonoff de chocolate. A sobremesa, algo doce como uva passa. Ela não queria engordar, se se vingaria se algo acontecesse. Dizia todas as vezes do mesmo jeito... compenetrada... à mesa, puxava um chanel n°5 e charmosíssima, tragava-o lenta e cheia de um calor que só as mulheres podem podem ter
O longo cigarro perdia seus cinco centímetros de vantagem... cena espectral... num deslumbramento daquele corpo moldado sem pressa, por mãos descansadas e escorpiônicas
Bebericavam Sorriam Sassaricavam, nem sempre nessa mesma ordem porque quando estavam juntos as coisas pareciam fazer sentido e mesmo que não conhececem de mística desde criança, seus olhos pareciam não lhes pertencer mais

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

a muda


toda vez que ela virava a esquina, assumia nova personalidade. Os seios apontavam para o norte, os quadros bamboleavam feito os de uma gata no cio. Ali, era outra, o chamamento de alguém que se perde nos abismos do EU. O marido, dono do estabelecimento, negão de dreads suculentos, guardava as forças nos cabelos de Sansão. E ela nunca os cortaria, não poderia sendo forasteira de si mesma, tendo que encontrar-se todos os dias em movimento circular.... mas ama a rotina, tanto, que disse ter um novo projeto para 2011: considero agora, amar uma árvore, amor por transcendência maior, sem precisar cavar buracos ou enxertar-lhe próteses ilustrando órgãos genitais... plantaria em terra fértil com a segurança de que vingaria para sempre e todo o sempre... minha

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

parada

Estavamos numa onda Karateca. Era todo dia samurai, huawgen, aikido, arigatô, saionará. Tinhamos olhos puxados, esbugalhados, mas éramos do rio, entende? Cariocas ignorados, tudo que nos restava era o Karatê. Se liga irmão linsei, em qualquer lugar é preciso o Karatê.

Se sou o cara? se tenho cara de mau?... e você conhece o bom? você é mau? Se liga bofe... se liga na pressão da situação do lance que se passa mas que não pode passar mais. Não pode ficar passando como se não tivesse passando, não é não? Porque enquanto tá passando, cê fica sentindo, cara! Eu sinto! Você! Aqui, coloca a mão, tô todo arrepiado! Puta que pariu mariola! Desculpa... tem nada a ver não... sou um homem de classe, uma fera de classe, requinte. O negócio é o seguinte... tá anotando?... Não é papel não, animal! Anota na mente, guarda na gaveta da mente, cara! Mas oh, cuidado para não perder nessa feira livre aí, viu?

A situação quando é passado... passou... e mais nada

Pensa... não é mais nosso... foi... さようなら... não precisamos mais pensar, saca? Foda-se cara! Isso é bom! uma coisa assim de... ui!

Mas se tá passando e passa e não para de passar e passa sempre, de Itaipu a Itu, Itu a Itaipu; vai no banco Itaú, sem dinheiro, sempre sem um tostão, rrrrrrrrrrr! Ai, tô ficando agitando, cheio de saliva vertiginosa! Quero ver se lá é tudo grande mesmo... ai, num aguento! Não quero mais que passe o que não quero que passe! Vá ignorar a vó! Mandar uma mulher ligar? Alô alô? Aquela voz forçada, vaca! Ai, meu lábio tá tremendo! Pau nu cú, xuxu!

Fala lá... conta tudo pra ela

Aquela bicha magoada! Nunca mais encosta a mão nesse corpinho!

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

eu sei o que acontecerá em 21.02.2012

Um grupo de cientistas da Harvard Medical School descobriu essa semana, depois de dez anos ininterruptos de pesquisa, que escovar os dentes com o dedo é muitíssimo mais vantajoso que com cerdas.
Acreditava-se no século XX, que escovar com os dedos não fazia diferença nenhuma, só espalhava a pasta pelos dentes, o que na verdade até piorava a situação do escovante.
Em 10.10.2010, os investigadores descobriram nas digitais dos dedos, nanopartículas antibactericidas capazes de liquidar qualquer agente patológico bucal.
"Afora o estilo de vida e os fatores genéticos, existem evidências crescentes de que as infecções bacterianas possam ter participação na não escovação dedal", afirma o doutor Alilá Bighippie. E completa: " Vivemos num mundo muito corrido, super poluído, super populoso, super... nem sempre temos tempo para a higiene bucal. Agora, nossos problemas acabaram, poderemos dormir na casa de quem quisermos, sem medo, destino; despidos de qualquer prática necessariamente social" (O pesquisador termina a fala dando um pulo e gritando UHRRULL!!)
Infelizmente, para assombro da população domesticamente conceituada, essa notícia só poderá ser publicada em 21.02.2012, porque segundo especialistas, para a efetiva sustentabilidade do corpo-circular precisamos de palíndromos.
é o fim do mundo?






domingo, 24 de outubro de 2010

meu e mais de 100 mil vezes teu

ilustração: Daya Gibeli


Poesia, tens um fogo raro

mexestes com o meu ego

esse monstro louco interior

fez ir para fora

grande parte desse todo algum mistério

teu corpo

fico assanhado depois me deparo

que tua boa

tua força, ó, poesia,

é bem maior.

Fico até meio sem jeito, constrangido, sei lá,

parece até que vou me apaixonar

e a fundo longe desse olhar reflito

vejo o ontem taao passado quanto o amanha que nunca vem

esse teu fogo, poesia,

sera sempre bem vindo ao mundo meu

por mais que seja fraco

esse dragao é um estilhaco

e sua guerra fez do ontem seu

um desejo eternizado

de ver todo o mundo pirar,

bunda santa,

cortejar todo o meu sem jeito sorriso

entregar-te manobras mortas

mesmo que seja o ato de ser mal compreendido

quero gozar no mundo seu pois esse mesquinho meu, eu,

pode ser mais um tormento a sua cabeceira

pode viajar em mim

lamento

nao fui tao santo assim

seu corpo pintado, desejado

demito-me poetaao lado teu

quis te comer na rua

deitei-me ao teu lado

e nu estavamos

delicia sentir o teu som e

o teu sorriso

o sono respirar, mas que profano sou

queiram as estrelas

fazer esse teu corpo de novo me atacar

e que da proxima vez seja para definitivamente pirar

fiquei pirado com os teus olhos me encarando

o idiota rebolando no dedo teu

mas que merda foi que aconteceu

sua vagina solta em minha boca

deliciosa e adorei as palavras concentradas no seu ventre, poesia, poesia

diz pra mim que nada se perdeu e ainda poderei gozar no mundo teu!

A maça que aquele principe tua obra decifrou

creio que nao é nada perto dessa tua bunda, do teu beijo

seu mel, assassina quase mel..

meus olhos gozaram-te princesa

melastes o momento que era para me levar ao sono

e teu som

é meu desejo agora

de que jeito?

do jeito que voce quiser

pode ignorar o meu olhar sempre assediado pelo teu

pode nas ruas querer somar a parte

sei que em nada agente deu

vai dá pra dar?

denovo vou te encontrar, querer te devorar

te chupar, teabraçar, te comer

te desejar o infito verbo

num ataque epilético talvez

no inexplicavel fogo que adotará a poesia

frase feita vai ser o cheiro do meu gozo, do nosso, do teu

sua autoria, poesia,

minha estrutura no umbigo teu queimando

o cheiro e nada meu, nada meu

todo teu até enjoar

aparte das migalhas que te peço

beijo teu, fogo teu, corpo teu

de aluguel

a poesia, aa poesia,

gozo ofusco

meu ou teu,

tanto faz e tanto vai

e vem

quero mais de 100 mil vezes

ter esse sexo, amor, calor, desejo,

o sabor

mais chocante e mágico e vermelho de todos

mel mel mel.



sugestão de sincronismos: Astúrias de Isaac Albéniz

Direitos autorais: esse texto não é meu!! Não coloque palavriados na minha boca... Foi jogado numa lixeira e reciclado para gozar literalmente a vida

.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

velha luta da cidade

muito cansada... entrou no ônibus arrastada por brisa mórbida e sutil. Algo de lento acontecia com seu metabolismo. Era a síndrome do dia-a-dia, hora-após-hora, corre-corre-desenfreado-dasruas; tudo junto num mesmo vendaval de robóticos homens. Ela girou a catraca cheia de esperanças de chegar
O ônibus lotadíssimo. Pessoas grudentas, mareadas. Vai e vem de corpos involuntários. Ao ultrapassar barreiras intransponíveis de carne fresca, subitamente estava diante de uma miragem, verdadeiro oásis iluminado pela amarelada luz de ônibus. Dois acentos brotaram à sua frente nitidamente sky blue. Glória! Ela desconfiou. Olhou de sombrancelhas arqueadas para todos em volta, por quê? Por que isso aconteceria justo com ela? Ela, que as coisas demoram tanto para acontecer? Nunca teve sorte em nada, nunca ganhou um brinde de dia das crianças na escola, nem sequer um bingo ou biribinha na casa da avó.

Mas é hoje!!! Hoje era seu dia, fora sorteada na roleta da vida. Os bancos eram dela, quis deitar, gritar, espernear, jogar-se desesperada de desejo, vontade, necessidade. Mas não, calma! você só precisa manter a calma garotinha. Não perca de vista a efemeridade das coisas. Sentou-se grosseiramente e pôde continuar a viagem na maior tranquilidade. As pernas enrijecidas pela fadiga agradeceram e foram sorridentes até em casa para amanhã sonhar novamente vencer alguma coisa.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Ela gostava deles, dos dois, ao mesmo tempo, no mesmo lugar, contra qualquer oceano obscuro ou sorriso alheio. As brigas não eram muitas, mas a aceitação
Ao mundo soavam três; três almas inconstantes, unidas por extremidade tripartida e ambígua.
Ela encontrava qualquer coisa de tri-Uno, onipotente de sua criação devota. A felicidade sugava-lhe como inseto esquisito, saltimbanco, emitindo sons inespecíficos... Tudo isso para abafar os sussurros, gritos incontidos, agressões de desconhecidos inconformados, as ruas cheias de malícia feições estrangulantes o medo de existir a ausência de coragem escarros cigarros tudos

Eles não!

Nasceram assim e vivem, de todo jeito, desprovidos de objeção, entusiasmados pelo vento, paixão. A vida tem outro olhar, múltiplo, criativo, indefinido, quase infantil. VIVEM!

Ela pensa, descontínua, insone, auroras vão e vem, nada... nem um motivo; por que não?
De outros tempos, amores brutos, patéticos, insalubres por sentença apedrejante
A revolução: olhava-se no espelho, mirava um rosto desconhecido e azulado, derretido, mas nada patológico; fluído, envolvente de calor e ódio. O medo de ser observada, apontada por dedos cruéis e previsíveis em sua pseudo-magnanimidade, desgraçados!.. vidas em preto-e-branco
Ela caminhava carregando na mochila o desejo de não estar sozinha, atraída por átomos redesenhados, carícias apaixonadas, confusão de mãos, ménage ad aeternum...

Eles nasceram unidos pelas costas, tinham tudo em comum, inclusive a decisão de não se separar jamais! verdadeira singularidade bifurcada, harmônica e sorridente. Sua sina era amar loucamente aquela mulher, aquela mulher cética, muitas vezes venosa e doce, pueril, deitada à sombra de não saber amar com ânsias, torcicolosamente febril
Sim! Era ela
o único desgaste, o inseto corrosivo e impune dos gêmeos, o demônio da luxúria, a serpente que devora-os subitamente quando vão beija-la...
e querem, mesmo assim a querem, do mesmo jeito que nunca quiseram separar seus corpos tomados pela lei da assimetria.
Não é perfeição
é cópula.


quarta-feira, 6 de outubro de 2010

sonhos brumos

VAI VER ESSE FILME DE NOVO?
AHHH! VAI DORMIR...

Ela tentava, mas aqueles pequenos sons não saiam da sua cabeça, como formigas que alimentam um formigueiro. As imagens eram tão reais, que lhe davam espasmos pelo corpo. "Eu tento dormir, eu juro que tento, já tentei muito, tanto, que as vezes durmo pelo cansaço... o corpo dói tanto... parece tombo de bicicleta ou aula de natação no inverno."
As sensações eram parecidas, uma de fora para dentro e a outra de dentro para fora. Um dia, vários insetos voavam em volta da lâmpada, como sempre em muitos dias acontece, mas naquele dia, naquele único dia, aquilo começou a dar uma raiva, uma ânsia... Levantou da cadeira, sentiu a presença da irmã no último quarto. Quando olhou para o fim do corredor ficou estarrecida. Pôde ver somente uma cabeça flutuante e esfumaçada...
Irmã? O que aconteceu com você?
Eu não sei. Só dá para ver minha cabeça, não é?
É sim!
Engraçado, de uns tempos pra cá, tenho sentido só ela mesmo, pesada e enorme.
Mas você está bem?
Não muito. Um pouco aérea.
Estou vendo! (olhos esbugalhados)
Está muito na cara?
Na cabeça... é... vamos dar um jeito.
Na conversa, as pernas da pequena tremiam feito duas varas verdes em tempestade. Foi então que a irmã deu um passo a frente, e ela pode ver seu corpo inteiro, inteirinho de preto, dos pés ao pescoço, até luvas e sapatos pretos, parecia esperar um ritual mórbido.
AHH! Que alívio. Achei que fosse um daqueles sonhos que tenho, mas não é.
O que?
Nada de mais... só uma viagem da minha cabeça. (uma lágrima molhando a gola)

domingo, 3 de outubro de 2010

vai que é tua...

V. das Moças... deviam ser umas 03:03 e tudo girava em círculos. Pessoas em dia de eleição, escolhendo números como quem escolhe a pasta de dente mais barata da prateleira, com receio, mas convicção no sorriso. O trocador reclamava aos trancos e barrancos da estrada, "puta que pariu não fui liberado que país é esse!!! bláblábleble", um negão doidão com seu violão cantado causos de ancestrais próximos, uma mocinha de iPod da Apple e um cego mascando chiclete... "se fosse poeta escreveria... se fosse pintor pintaria... mas como sou eu, fico só observando" (filósofo: tocador de violão, que por sinal se chamava Dido).

domingo, 15 de agosto de 2010

folhinha de veludo roxo

mas não tive culpaaa!
não quero saber. Onde já se viu rabiscar o muro do prédio com um monte de folhas? Seu Jeremias trouxe o balde. Tem uma bucha aí?
Sim senhora, disse o porteiro.
Então entregue a bucha a ela, ela vai limpar tudinho...
Não vou não! Diz pra ela seu Jeremias, o senhor viu que eu não fiz sozinha... eu nem sabia que essa folhinha de veludo roxo pichava muros...
Aiii! A velha puxou minha orelha igual a geleca puxa-puxa.
Não tive escolha, fiquei esfregando aquele muro cheio de corações, nomes, bundas e pirus. Aqueles garotos imbecis, sem-vergonhas, todos saíram correndo, muito espertos, até a Cadinha me deixou.
Descobri o quanto ele era enorme, quilômetros e quilômetros da pior vergonha da minha vida. Enquanto esfregava a bucha triste percebi que minha avó se juntava a mim. Senti um gosto bom na boca.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

nano sinfônia

a vida às vezes cai como um piano sobre minha cabeça (by Biza Madruga)
cruzess, que horror
você acha isso mórbido?
pois é claro!
ah é!? então me diz quantas pessoas você conhece que morreram de piano na cabeça?
traga-me um levantamento eficaz de pianos homicidas... e podem ser suicidas também, no mundo das grandes janelas, nunca se sabe.

parascavedecatriafobia



por que fez isso?

porque prometi a ele

como assim? você prometeu a você mesma

eu sei. mas disse a ele que só ficaríamos de novo numa noite de sexta-feira treze.

tem várias, isso é desculpa

tinha que acontecer uma coisa bizarra

e aconteceu?

sim

o que?

eu não lembro, só sinto

domingo, 1 de agosto de 2010

Miltinho Cabeçudo


Miltinho Cabeçudo, Zé a Jato, Criolo, Neném e Romualdo são sambistas, fazem sempre shows na escadaria Selarón. É sempre um sucesso, ficam várias pessoas espalhadas pelos degraus da escadaria, ambulantes vendendo bebidas e crianças correndo. Os músicos vestem terno de linho branco sem camisa e cartola branca, figurino usado diariamente por Miltinho Cabeçudo.
Os malandros da Lapa sempre se reuniam para fumar um na escadaria. "Malandro que é malandro não dá mole pra ninguém!" "Malandro é o gato que já nasceu de bigode!" Não é fácil ser malandro, tem-se uma reputação a zelar...
Miltinho Cabeçudo, de terno branco sem camisa e cartola branca, estava em pé contando uma história a Zé a Jato, Criolo, Neném e Romualdo sentados na escada prestando atenção enquanto rodavam um cigarro de maconha. Todos entorpecidos, rindo até da sombra.
"Não é fácil ser malandro!" Miltinho Cabeçudo sabia muito bem disso, até porque sua cabeça de cima era bem pequena e a razão do apelido, ninguém sabia mesmo ao certo. Ostentava um enorme sorriso de laçarote, os dentes brancos não-humanos do negão tiziu prediziam sua fama.
Um dia estava chapadão, viajando numa relax... numa tranquila... numa boa. Quis comprar um salgado no bar do argentino bola-rasteira. Colocou a mão na barriga e começou a descer os degraus. Romualdo perguntou: "ôôÔÔôôô... tu vai onde? Miltinho rodou nos calcanhares e mandou um beijo ao responder: "Vou pro beleleu!" (gargalhando). Finalmente se desvencilhou da rapaziada e do ritual diário. Caminhando acenou para todos na rua. Passou por bêbados, crianças jogando bolas, evangélicos, prostitutas, a tia baiana do acarajé, hippies sentados sob os arcos, cruzou toda a fauna marginal da Lapa. No fim da rua, quase em frente ao bar do argentino, Manaka, um mendigo negro de dread até o joelho e olho amarelo, apontou para Miltinho Cabeçudo, que assustado cruzou os braços como se quisesse manter o corpo fechado.

Chegou ao bar, um bar bastante antigo, com azulejos coloridos e mesas de ferro. Miltinho entra tonto e cambaleante. Os ruídos do bar ficam muito altos. Ele anda como um bêbado e por cada mesa que passa, ouve nitidamente a conversa das pessoas sentadas. Na primeira mesa, três velhos conversam.

HILDEBRANDO
Quer dizer que acredita em algo que nunca foi criado? Essencial?

BENEDITO
Por que não? Para você tudo se explica com Adão e Eva, o imbecil? E a adaptação? E os branquelos, amarelos, negros azuis, avermelhados? E os albinos da Antártica?

JOÃO (GARGALHANDO)
O quê? Os albinos vivem em iglus? Se mata seu velho de merda!

Na segunda mesa, dois casais conversam.

LIA
Ela adorava flertar com a morte! Ela adorava flertar com a morte!

RODRIGO
Dizem que falava sozinha e levava um cachorro invisível para passear.

CAIO
Coitada... será que matou o cachorro também?

MARI
Não! Eu soube de uma amiga plantonista que certa vez ela foi parar no hospital com o cachorro agarrado na buceta.

LIA
AH! Merecia morrer mesmo!

Na última mesa, seis homens conversam.

FERREIRA
Gostosa pra caralho, maluco!

FRANCISCO
Agora que comeu é gostosa? Haha caô!

Os homens zombam de Ferreira.

FERREIRA
Qual é o cambada? Assim com esse ciúme de vocês de mim, eu fico pra morre!

CORO DOS HOMENS
PRA MORRE! PRA MORRE!

No balcão, Miltinho olha para dois homens bêbados que estão apoiados. Atrás do balcão está o dono, um argentino ensebado, que fala coisas ininteligíveis aos bêbados. Miltinho bate no balcão ainda vertiginoso. "Ai ôôôôô... fela... me dá um... me dá um... me dá um... crocrete de carne" Um dos bêbados retrocou: " Crocrete de carne... ? Crocrete de carne... ? O negócio baum é coxinha de galinha, de galinha uh! mérmão... crocrete de carne é coisa de viadinho."
Miltinho não responde e morde o lábios, pega o croquete da mão do argentino que está atrás do balcão e o enfia inteiro na boca. Começa a falar cuspindo na cara do bêbado, que nem se abala, até acha graça. Comeu o salgado em duas mordidas ou menos.
Na hora de puxar o dinheiro, não conseguia se entender com o bolso da bermuda jeans esgarçada "Porra mérmão! Caralhooo!" Em meio a luta bermudística discutia consigo mesmo. Se contorcendo como se dançasse uma dança esquisita extremamente vanguardista. Risos brotam ao fundo.
Finalmente conseguiu, pagou e limpou a boca num só movimento, tudo isso para mostrar serviço.
Percebeu um monte de vagabundo se escangalhando de rir, "essa cambada tá rindo de mim?" quando olhou para o guardanapo que segurava, viu uma nota de dois reais toda engordurada, "puta ne merda!" E o argentino bola-rasteira reclamando com o guardanapo na mão, "no puede pagar con la servilleta, boludo". Cabeçudo puxou o canivete e meteu no pescoço do maluco "tu tá doidão de linguiça, mérmão?" Explosão de pernas cabeças sapatos azulejos garrafas e cadeiras... não dava para entender direito quem era o que. Miltinho some na confusão.
Da porta do bar, mulheres saem gritando e dois velhos agachados. Miltinho aparece na porta cambaleando e caminha até o mendigo de olhos amarelos que está do outro lado da rua. Cai de bruços aos pés do mendigo com um osso de galinha cravado nas costas.
Zé a Jato, Crioulo, Neném e Romualdo continuam fazendo seus shows e nesse, em especial, homenageiam Miltinho Cabeçudo, malandro dos malandros, cara foda pra caralho. Zé a Jato conta a morte fatídica de Cabeçudo para a platéia. Uma voz rebenta do meio da multidão: " Cê nem tava lá, como tu sabe dessas paradas toda ai?" E Zé a Jato responde: "Manaka tava. Ele é o sábio mendigo negro, o cara vê tudo. Ele foi salva a alma do camarada. Ajudou o irmão a fazê o caminho pro mundo regado. Não é não?" A banda e a maioria da platéia concordam. Ouve-se num crescente uma gargalhada estridentemente assustadora. Todos olham acompanhados por uma brisa estranha... é Manaka sentado no seu canto.


Miltinho Cabeçudo era malandro de chapéu
Andava pela Lapa
Agora foi pro beleleu
Ele foi pro beleleu, ele foi pro beleleu

Não sabe brinca não brinca
Agora foi pro beleleu
Ele foi pro beleleu, ele foi pro beleleu

pagou com guardanapo
limpou a boca com os merreu
tava doidão de memel
Agora foi pro beleleu
Ele foi pro beleleu, ele foi pro beleleu

Não sabe brinca não brinca
Agora foi pro beleleu
Ele foi pro beleleu, ele foi pro beleleu
(sambinha em homenagem a Cabeçudo)



quarta-feira, 28 de julho de 2010

na rua de azulejos azuis ela ouvia história de todo o tipo. qualquer coisa de cítara soava naquela cidade esquecida pelo vento, que parou de soprar desde quando éramos crianças sadias e sabidas da pureza do mundo. depois não mais podíamos chamar o vento, já havíamos esquecido dessa pureza. descobrimos que mulheres nem sempre querem ter seus filhos, e nesses casos, os maridos muitas vezes precisam recorrer aos deuses que conhecem, fé que passeia pelos caminhos ou pelos atalhos tirando-lhes o chapéu empalhado. a cara de natureza morta, um soar de malmequer.
mas há sempre coisas atrás de mim, um caminho a abrir-se por música longínqua, algo de prenúncio, vigília...
a música me toca profundamente, lembro-me de pescadores capazes de encontrar harmoniosos tesouros em barrigas de peixes abissais. isto sem nenhum esforço, simplesmente cantarolando a alegria de viver e de puxar a fluida linha.
só não sei... quando a lua cheia bate na relva iluminando precariamente minh'alma, se antes ou depois do começo, perdi a noção do beijo. sentimentalidade de encruzilhada, ninguém cantou e o bilhete engarrafado se vai.
o sapo morreu azulado

domingo, 18 de julho de 2010

As casas dos moradores do morro nas usinas da baixada formam uma canoa. Água cristalina. Olha só! Olhou perdido e avistou uma neblina inacabada e cinza. Preste atenção! com os olhos esbugalhados. Tome isso! Guarde, carregue você. Mas já levava as mãos ofegantes até a boca. Ressoava um som esquisito que vinha distante. Ele fazia mímica comendo aquela pedrinha amarelo-reluzente. "Pedaço de sol" repetia pacificamente nervoso.
Aonde estamos?
Estamos na centésima quinquagésima palavra da nova frase de um espaço lá atrás.
Não! Que lugar é esse, Gráfico? Apontava para a terra.
Há muito tempo.... na época dos avós de nossos avós, isto se chamava Guanabara - começou a ter uma visão em película de filme cego, surdo e mudo - o Zeppelin estava perdendo a força, já meio murcho começava a perder altitude. Me dei conta que o vento soprava enfurecido, uma tonteira, tudo girava, girava, rodopiava... só tinha nas mãos uma cordinha bem fininha, quase transparente, unica garantia de ver o sol reacordar.
Fui sugado por um buraco negro imenso profundo pra lá de além do alto-mar.
Tudo branco, sem começo, meio ou fim, como se a terra fizesse parte de um experimento inacabado. Andei pensando que estava cego, tentando sentir alguma forma tátil. E foi no meio do caminho, no chão fofo de areia, vi aquela árvore de bolas verdinhas e pontos coloridos, tudo isso numa imensidão desértica.

domingo, 4 de julho de 2010

Psiquê de Eva


Eva?
não viste a cobra que segurava a maça?

não! a mordida foi no escuro

quarta-feira, 9 de junho de 2010

é tempo de latas falantes

Assolavam a comunidade. As latas de cerveja brotavam do nada em qualquer isopor de praça e falavam coisas, muitas delas indizíveis a olho nu. Pessoas foram prejudicadas, muitas pessoas foram prejudicadas... maridos que chegavam de madrugada com intuito de não fazer barulho, aqueles que acreditam já ouvir vozes “será que estou ficando louco?”, ou os muito bêbados, os distraídos, as neuróticas, enfezados, carentes, os astronautas, os transeuntes, gays, loucas, estudantes,.... tudo, tudo era assim com aquelas latas soltas por ai, por perto, e mãos atadas. O que diriam? Será?
Diriam, ou nunca terei a chance... de saber... o que 

quarta-feira, 26 de maio de 2010

duas rodas certeiras em chão rachado por amor que já passou
relaxo em posição descansada
não vá se perder no círculo do amante, ele gira em falso muitas vezes
desatando laços ora de concreto ora de geléia, mas sempre realidades.

domingo, 9 de maio de 2010

se estiver enrolando a língua... não liga não
a vida é assim mesmo,
ela às vezes enrola nossa lugnía
é estranho pensar na vida como ela é... porque ela nunca é, sempre já foi ou vai ser

tem dia que é melhor esquecer do corpo e viver feito fumacinha

sábado, 24 de abril de 2010

proibido fazer por ai o que gostaria que fizessem com você

hoje... decifro o código de alguém que faz um gesto sem saber e de outro que o faz para dizer que pode... sujeita a um ronrronar de horas

olhei para o muro e vi a ponta de brasa acesa, foguinho cortado em v pela areca bambu, a imponência da palmeira e o mato do terreno baldio de trás atrapalhavam a visão. Mas tinha alguém, tenho certeza! como naquele dia em que lavava o carro de calcinha e camiseta
...talvez quisesse ser vista, tive uma sensação tão real que cheguei a sentir o toque, o toque de olhos estremecidos. A camiseta branca encarava feroz os convulsivos e orbitais olhos.
No chuveiro não, estavam calmos e calculistas, ostentavam até um cigarro como prova do poder que exerciam sobre mim. Sobre o corpo já sem os seios dourados.
Os olhos tudo vêem!
Um vulto, êxtase, estupor.
Perco a definição de mim mesma, a língua afaga os lábios superiores, a pupila dilata prenúncio da dúvida, será que estão lá? o cigarro? a respiração ofegante? os olhos vidrados? a sombra das folhas dançando na parede branca e o vento ameno, quase maternal, se não fosse pela dúvida. está lá? não posso olhar diretamente, se perceber vai embora, juro que vai, eu iria no lugar dele.

Ela queria, ela precisava. Resolveu tomar banho no quintal por raiva masoquista. O fluxo de água impiedoso congelava cada músculo inerte e esquecido pelo tempo. A Lua cheia inteira para ela, só para ela, que contemplava a luxúria de ser mulher e por isso poder gozar com a lua. O ritual representava o chamamento do amor... passou a acender velas, climatizar o ambiente, dia após dia, tudo para a deusa Lua. Vênus, banho encantado, o ritual.
E os olhos a esperavam cheios de desejo, vontade, necessidade...

Tinha certeza agora... depois do processo.
"Isso é rídiculo! Como aquela vaca pôde me processar se um tarado ficava me olhando tomar banho no quintal?" disse ao cara do fórum.
O julgamento seria daqui a uma semana.
Intimação extremante formal. Lá, estariam a promotoria, defesa e duas testemunhas, mas daonde? quem eram os cretinos? numa salinha 2 por 2 cheia de canalhas e canalhices. Que chacota, meu deus! ter que confessar que tomava banho pelada no quintal e sabia que o tarado do vizinho ficava olhando, oh! nossaaaa! isso vai é
Bando de imbecíl, será que uma mulher sozinha não pode se sentir desejada por ela mesma e resolver fazer sexo tântrico com a Lua no quintal? Isso não é pedir muito, não é!? Pedir muito é querer um homem para tirar o lixo para mim, conversar com o faz-tudo, eletricista, gerente de banco, contas, limpar o ralo, a caixa de gordura, abrir compota... isso sim me faria rir vertiginosamente. Ah, que maravilha! Mas eu me basto. OUVIU BEM SUA CORNA MANSA?...mesquinha... vai passar a maior vergonha só para tentar mexer no meu bolso, é uma filha da puta!
Queria ver se fosse você, ter que tirar aquele lixo enorme mal embalado num saco vagabundo, cheio de chorume, uma nojeira. E as unhas incrustadas por uma sujeita preta indomável.
Aqueles olhos eram meus, eles me pertenciam, vinham de qualquer lugar, não sabia daonde; mesmo sabendo, mesmo podendo acusá-los, castigá-los, eu os amava, nunca o faria.

na sensual lavada de carro... foi um máximo! os quadris embalados por música hilstiana, em transe, sem dúvida... a camisetinha, a calcinha biquíni, porque era biquíni, mas parecia muito uma calcinha porque de pano. Alongamentos apaixonados mostavam as pernas torneadas de uma vida.
ah! não vou não. Poderia me apaixonar pela haste da palmeira que implacável me masturbaria sem perguntar por que, amor é isso, é lavar o carro de calcinha para alguém, se perder de tesão no quintal tomando banho na lua cheia, é querer fazer um ritual do amor, não fazer e depois feito mágica descobrir que já o fez sem desconfiar como, simplemente o fez, o melhor.

...amanhã vou voar para Los Angeles de rolls royce pratiado.



sábado, 10 de abril de 2010

No banquinho do velho, a espera é um pranto que se come frio. A espera desespera*. O desespero é a falta de esperança, a falta de de certeza de saber que um dia chega
*A desespera é o feminino do desespero na praça em que os homens já nascem velhos.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Alguém é bom
Alguém para dar uma bitoquinha na orelha
Alguém para fazer um afago na nuca
Alguém que quer, queira, inteira
Alguém para fazer
Alguém para falar bem, sem vintém, meu neném, nhenhenhem
Alguém mau, sem grau, em cacos, esculachos
Alguém que saboreando saboreia saboreado
Alguém com animo, estranho desanimo jamais
Alguém que é cais, áz, tudos
Alguém em pleno desconforto que parece um caroço duro que nem osso
Alguém moço, donzela, irracional, alvoroço, andrógeno de pedra, aquarelas,
Alguém... que de tanto não saber quem
Alguém é ninguém
Por que alguém é alguém e ninguém é ninguém?



quinta-feira, 8 de abril de 2010

águas de março em abril ou Niterói trágica

muito dona da sua vontade, você não é assim
não sou não, né?
não! você sabe que não é. você é muito indecisa, não consegue nem escolher um salgado pra comer na padaria. alguma coisa aconteu que você não quer falar
tipo alguém morreu ou virou extraterrestre?
não cara! mas tenho certeza que alguma coisa aconteceu. acha que eu nasci ontem?
o que você acha que aconteceu? eu não quero mais... só isso
e eu igual a um idiota pensando em você, preocupado, querendo te ligar, saber, pensava caralho! a casa dela deve tá alagada, em baixo d'água. acho que vou lá, mas pra quê? não deve dar pra passar... tudo inundado
eu também tava preocupada com você, esse riozinho ai que desce do morro devia tá igual uma cachoeira, não entrou água na janela não?
ficou igual a uma cachoeira mesmo, fortão. não entrou água não. e se a casa desabasse, eu não ia nem ligar, só ia ficar triste com meus instrumentos mesmo
ah que ótimo! egoísta que você é
não, eu tô na lei da sobrevivência mesmo, só queria alguém pra ficar, eu tô na merda e vc tá me deixando. não é leal comigo
eu sou leal com vovê, você que não é leal comigo
e por que não? eu tô com você...
ser leal não é só estar junto
é o que? abandonar na pior hora?
também não, mas é estar completo, sem remorsos. se daquela vez que fui pra Cotijuba você tivesse me perdoado, tudo seria diferente
não perdoo mesmo, isso não se faz com ninguém
é? então por que quis ficar então, pra me machucar?
não! porque eu gosto de você
mas depois daquilo você virou outra pessoa...


alôi?
minha mãe já chegou em casa?
não por quê?
porque ela já saiu daqui tem uns quinze minutos e tá tendo arrastão lá no Império da Banha.
jura? e você foi pra onde?
pra Avenida Central, pra casa do meu namorado
PORRA!! o que você foi fazer ai? e mamãe?
calma! fiz as contas, passaram quinze minutos que ela saiu daqui
é! mas faz muito tempo que vocês sairam daqui...
mas ela acabou de sair daqui, tipo agora
poraaa! mas quem te falou do arrastão?
Deoflano
mas ele sofreu o arrastão ou teve um arrastão 6h da manhã?
não sei! vou ligar pra ele


o que houve? minha mãe ainda não chegou da rua.
ah! e mas isso. seus pais nunca me aceitaram. você não tem nossão do que é perder a dignidade por um olhar atravessado
ah quer saber?... cala a sua boca!
vou mesmo, mas depois vou buscar minha ampulheta e meu guarda sol
mas já está chovendo há 2 anos imbecil!
foda-se imbecil! por isso mesmo vou pegar minhas coisas... pela chuva e porque não posso mais perder tempo.


hello?
mamãe já chegou?
não por quê?



quarta-feira, 31 de março de 2010

primeiro e último movimento da cantata de amor

É bom saber que o fluxoacorde da fala é tocado assim em tom ameno de ligeireza. Porque o pensamento - massa amorfa - não compõe sintonia perfeita. Alegro o coração acelerado feito metrônomo. Cadenciado por som que remeta a um sentimento sem partitura... algo dissonante em sinfonias lilases de transformação...

terça-feira, 30 de março de 2010

Cabum, o Gigante

O pai era um homem enorme, chegava a ser desproporcional, talvez uma anomalia. Intimidava a todos pela rua. Frequentemente o centro das atenções; com bermudinha jeans e camisão listrado. Não bebia, não fumava, não aumentava a voz. Diziam as más línguas que era abobalhado, mas o descomunal tamanho foi a chave de sua reputação. Ninguém se metia a besta com ele, nunca!

Certa vez, no bar Rainha da Pipoca, Cabum - como era conhecido - resolveu sentar-se pela primeira vez fora de casa. Puxou duas cadeiras de ferro, dessas comuns nos botecos da vida. Arqueando calmamente as pernas inibidas pela incerteza, num súbito instante, transformou as cadeiras em duas folhas de papel metálico. Não pôde aguentar o próprio peso. O dono do bar agarrou numa barra de ferro e xingou o gigante com o máximo de nomes feios possíveis de se pronunciar em poucos minutos. Cabum derramou-se em pranto. Nadando em soluços e mucosas, respirou fundo e com todo delírio angustiado que borbulhava de seu estômago, gritou gaguejando: "MUMULHERRZINHA!" O estrondo foi tamanho que o pobre comerciante se mijou todinho, passando a maior vergonha aceitável para um valentão de vida vazia. A história perpetuou-se; virou lenda e ganhou infinitas versões. Chegaram até a dizer que ele amassou as cadeiras com pisões bem dados. Intrigueiros à parte, o grandão era um poço de tranquilidade, imbuído pela filosofia da paz. O auge de agressividade mais profundamente atrelado à suas entranhas, vísceras pungentes, sempre fora dizer: "mulherzinha". Mesmo assim, só expurgou a raiva duas vezes. Esse episódio no Rainha da Pipoca, foi uma delas.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Era uma velha louca, matrona.
Esbarrava em todos pela rua pelo simples fato de se sentir gigante, gigantesca. Obelisco. Passeava para lá e para cá. Não tinha nada para fazer, sempre escolhendo a vítima...
O marido, um coitado, todos os dias de mãos sujas; de manhã, placa ambulante, à noite, burro de carga.
A velha, um ser sem destino pelas ruas cosmopolitas do mundo atacando pessoas com sua bunda enormemente frenética.
Nunca se cansava, chegava em casa e ainda tinha fôlego para atazanar o marido, velho desgraçado, vou estourar sua cara... seu monte de merda, e ele, aguentava quieto como se aquela fosse a última pessoa da face da terra.
Dia como outro qualquer, saiu de casa a barreira humana a fim de jogar transeuntes no chão...
e hoje, estava tão inspirada, mas tão inspirada, que precisava de alguém feito aquela criancinha que certa vez conseguiu quebrar o braço.

ahahahahaha! interioriza um riso sombrio e grave, conseguindo dissimular o prazer do ato. Os olhos transformam-se em duas bolas de gude umedecidas.
A mãe a consola como se a criancinha fosse culpada de ter cruzado o caminho da pobre senhora.

Contemplava a rua cheia de pessoas atemporais raios coloridos comércios enfestejados imundice sinal quebrado carrocinhas subjugando os espaços públicos sarnas papelões e latas
Lá está ela! a perfeita jovem esquálida que procuro.
E a sacola três vezes maior que ela, um prato feito.

Ficou observando, espreitando, contando os passos da presa.
A menina estranhamente não saia do lugar, andava em círculos como se fosse fazer uma coisa que já tinha perdido o sentido há muito tempo.
A velha esperava o momento certo, se fazendo.
Lapso, num surto psicótico, a menina começou a apertar desesperadamente o botão de um aparelhinho que ela carregava na mão.
Aquilo a distraia fazendo tudo parecer congelado... não tinha mais ninguém na rua,... só ela... a terra parou em seu botão.

Agora...
A velha andou acelerada desbravando gentes de todo tamanho, seguiu uma linha reta em direção a menina e a arremessou longe...


Apenas uma pontada, como uma picada de mosquito ou de fina agulha de costura.
Um buraco enorme
pessoas para todo o lado
sangue, braços e cabeças rolando em trapos
muita fumaça nos olhos semicerrados

o que?
muito obrigada!
o que?
a bomba...

E a luzinha esquálida voou para longe,
ela ficou.


sexta-feira, 5 de março de 2010

meu objeto mental anda conturbado
pergunto: qual o significado do significado?
será que existe uma realidade a ser exposta?...
ou vivemos num furação de sombras desvairadas
acredito sim, que a realidade vai além da palavra de qualquer linguista indefinido
ignorar o mundo que corre lá fora, é como não andar
nem mesmo conturbado
e eu
prefiro criar pernas a ficar parado feito os pobres de espírito



quinta-feira, 4 de março de 2010

queria que as palavras virassem coisas
o lugar espacialmente habitado transcende qualquer geometria

vejo tudo gigantesco
pequena
não aguento as proporções do meu quarto

as coisas me engolem
são fortalezas intransponíveis
maiores que a torre
que há em mim
O CORPO

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

C.A.

Ela não tinha nome, mesmo que tivesse não o encontraria em lugar nenhum

em um obituário, quem sabe?

pessoas fazem isso, criam para si novas identidades antes inexatas, vagas, agora cheias de estórias contadas por elas mesmas crentes na fugacidade dos tempos. contemplam uma imagem efêmera uma paisagem uma revista rostos transeuntes, tudo isso contado pela vida, aí, inventam para si um universo de coisas grandiosas, de perto, coisas de longe ouvidas transmitidas, sentidas, criações anedóticas... porque a memória é assim, trabalha contra nós, mas também tende a nosso favor, não sempre, às vezes.

lembro-me daquela cara de anjo... um gosto de céu atravessando a madrugada com a gentileza do toque quase em câmera lenta (percepções vibráteis de um fluxo de brisa etérea ) como infinitas ninfas desnudas entoando cânticos pagãos subliminares


poética? Não


era fria, dizia francamente e a face cheia de traços desordenados. machucava por gosto de agredir-se a si mesma. não sei se mulher ou menina, estranhamente ficava em dúvida mas era esperta, tinha um quê só dela, um tempero romã de mais ninguém.


peste capaz de transformar-se em santo demônio


possuído o corpo inerte esquece sua materialidade (herança perdida e ancestral), tentara em vão criar pernas, melhor fossem asas. eu nada seria. erraria perdido em nuvens rosadas destituídas de espaço em branco vazio. colorido por explosões de espasmos ora azuis, ora roxo-acobreados, abrindo cascatas enormes fantásticas e ao fim de cada cor o céu dourado brilhante - mina inexplorada quente e úmida

não era má, ao contrário, sempre educada e gentil. tinha sua fortaleza de fato, mas quem não tem? usava chapéus enormemente intrigantes e ficava bem interessante com eles, lhe frutavam certo mistério – uma noviça rebelde

não sei exatamente. disse que era dançarina... desconfiava que fosse stripper. isso não era problema para mim.

...Ah!... Que corpo ! fui cego, e quem se importa? que tornozelos, o trapézio magnífico; dignos de uma atleta

que cara é? estranho? Os homens apreciam a bunda – cerejas ardentes , os seios perfeitos e bussolares,... e daí? todas as mulheres têm essa proeza, bem... pelo menos em partes, ...mas aquele tornozelo torneado por horas a fio pisando em ovos, flutuando, enrijecendo as canelas. É sim! ela dizia ser ótimo para isso. o trapézio - uma delicia só dela, especiaria em paraíso desconhecido lambida desenfreadamente por desejo difícil de explicar, talvez insaciável

Não me deixou!


Espere... (faço cara de coitado, os fãs adoram ver o ídolo sofrer)

É!

não seria tão depreciativa. vivíamos bem,... ou até quase muito bem, fazia tudo por ela, não cobrava, nem esperava, sempre dormia, saia por ai andando em caminhos incertos, nunca a encontrei, não assim, não na devassidão penetrante da madrugada

solitária, precisou ir embora

minha nossa! de maneira completamente escabrosa tornou-se celibatária. Preste bem atenção! não fazia mais sexo, porra! não transava, nem se masturbava; Meu Deus, tudo que aquela mulher amava fazer, era sua vida, necessidade para além da simples existência...

aquela vaca! Gostosa! ficou assexuada da noite pro dia, eu?

continuei idolatrando qualquer mulher de tornozelos ou trapézio bem colocados, tive que me contentar com pouco, nunca mais encontrei ossada como aquela. passava horas contemplando o nada, eu e o nada, de repente lembrava de detalhes impressionantes e assim montava meu quebra-cabeça

fiz dela uma musa, protagonista da minha obra-prima, um romance que tinha tudo: morte, disputa, gula, desespero, mistério, e claro, ilusões, muitas, como em toda boa história de amor verdadeira...

um best seller que nunca saiu do manuscrito, por que? talvez não terminei o livro com a verdade realmente verdadeira

ouvi dizer, mas isso foi bem depois, que ela converteu um doutor em filosofia, um rapazote qualquer cheio de fórmulas prontas extraídas de livros inúteis de bolso. rezam no mesmo convento, sabe-se lá em qual lugar do mundo, quem dirá em que posição, ou se existiu deveras (adoro essa palavra, será um bom desfecho)

agora penso em reescrever o final, é, o público sempre tem razão, é a voz da razão, e nós artistas, da insânia, da vida depravada e infantil, tudo ao mesmo tempo em doses homeopáticas. de que me adianta essas linhas se não forem lidas? talvez um dia até Fraülein (posso chamá-la assim para atiçar os homens) possa folhear com a ponta do alongado indicador essa entrevista em alguma revista ou periódico da religião que acredita


um dia...

Roteiro fictício da entrevista de Clemens Agustus sobre seu livro “cabelos embolam na nuca”

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

casa de cera

Entregava-se a seus pensamentos sentado no sofá de mogno no meio da sala. Na vitrola ouvia Ella Fitzgerald em seus momentos mais clássicos. Certa energia mística transbordava daquele sofá no meio da sala. A melodia sublime e ancestral beijava-lhe os ouvidos, que se mantinham atentos sem perder um acorde sequer.
O cotoco de vela em cima da redonda estante iluminava precariamente toda a casa.
Era madrugada... o vento uivava como uma pessoa que parecia querer falar qualquer coisa.
Fazia dias não saia de casa, tornara-se seu próprio prisioneiro. Nem sabia mais como seria pisar na rua e encarar as pessoas. No fundo nunca gostou de ninguém, preferia a solidão, é bem melhor para a saúde do espírito. Quando ficamos dependentes, nosso corpo não caminha na santa paz do paraíso.
A lembrança mais próxima de ter visto uma alma viva... um acontecimento imenso, que se passava despercebido, era como se a terra tivesse parado, ou melhor, todos eram meras estátuas, somente ele podia
Seu companheiro acordou muitíssimo cedo, algo fora do comum, já começa por aí (quem?). Estava uma chuva e tanto, a água caia impune desbravando diferentes caminhos. No início, os moradores tentavam abster-se das ações de um dia normal, mas depois tudo ficou incontrolável, ninguém queria mais ser
A chuvarada proporcionava um desanimo estarrecedor. Todos deixavam de ser humanos, de nervos estalados, sofriam processo de plastificação, os corpos assumiam uma capa externa e quando vistos simulavam bonecos de cera. No trânsito, no navio, nas feiras, no shopping e principalmente nas ruas. Via pessoas apáticas, inexpressivas, estranhas, indefesas... gotículas gotejavam imunes das abas dos chapéus e dos cabelos volumosos de laquê... ninguém se comovia, nem ele, que nunca mais saiu para saber se alguma coisa tinha mudado, se uma frestinha de luz quente havia iluminado aquelas almas inanimadas. Somente o cotoco, o sofá e a redonda estante era o que restava, mais ainda o cotoco, caso contrário, não teria descrito isso.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

veio voando com asas gigantescas verde cítricas florescentes, pernas cascudas denunciando o tempo, enorme zepelim vivo desvairado
o sangue desordenado jorrando das veias contraiu o corpo
deste tamanho rachou paredes balbuciou ruídos de unica nota
mirei um chinelo 35/36 carcomido de crateras no asfalto
despencou o enigma entre realidade e ficção

abri os olhos e vi perninhas infinitas como luzes inacabadas de um trem veloz. balançavam fantasmagóricas. sentada percebia números na ponta de cada uma delas, verdes cítricas florescentes
o frio da madrugada anestesiava o corpo e lembranças irracionais do passado
tinha uma manta com cheiro de sal, vermelho intenso
a cor do lenço de uma senhora grudada em outra perna verde vacilante

não vai descer não? disse uma voz ao longe em tom ameno
porque?
é a parada


labirinto
portas e precipícios
na casa das rosas existia um caminho divorciado de destino, lugar que chegava aonde quer que fosse. aquilo sim era o sonho voraz de todo errante, que erra sem saber acertando e suas migalhas florescentes irradiam retas iluminadas para pontos cardeais inexatos, talvez aqui.
mas não lá
perguntaram por que era feliz, porque sim, respondi
porque sou, não era e serei ludibriada à espera do caminho do onde...
fixando em mim o corpo do eu
ao longe,
um canto gregoriano poderia descrever muitas coisas
não as notas que se fazem pensamento de alguém que mira um ponto fixo invisível para si próprio
porque de fuga

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Seres azuis
Paródia da sonata de Paganini.

O homem é picado
por aranha ele é picado
Paralisado então!
no tempo acelerado
de seres espaciais
Abduzido... ele foi
Peçonhento é o veneno (2x)
Todo mundo nu
pintando o corpo inteiro
com lápis de olho azul
feito um ritual!
Pensando acreditar que ele era
um ser espacial...

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

confusão de olhos

como duas pessoas que se amam e estão sempre passando por uma mesma avenida sempre cheia
quando vazia não deixa que se percebam na vastidão do nada

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

ônibus: nada para fazer o lance é pensar besteira. ui

em tempos de extrema correria pedir se tornou um verdadeiro ofício. todos pedem e darão os que podem ou necessitam vago sentimento de completude, porque nem sempre a dádiva é pelo outro e sim por nós mesmo.

(estranhíssimo, hoje assumi um pseudo-perfil-de-auto-ajuda)

Em verdade,
só queria dizer que cada um dá o que tem e ponto de exclamação
e como diria Sir. Willian " ser ou não ser eis a questão" - vulgarmente conhecido por Shakespear


quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

amigos antigos em casas novas e um quarteirão girando na farta esquina da vida.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

aprendiz metálico

sempre que terminamos uma coisa pensamos: o que ganhei com isso? As vezes tudo e na maioria
Porque se essas coisas grandiosas coubessem dentro de um baú, aquele que você ou quem quisesse descobrir você pudesse abrir e desvendar todos os mistérios do universo-uno (seu ou meu). Deste mesmo baú sortearíamos todas as coisas possíveis para falar de coisas que definem ou dão forma a outras coisas... E por que não falar de coisas, se no fundo, do mistério ou do baú, sempre acabamos por falar de... cooisas!
Coisas são devolvidas, por querer ou obrigação
Coisas são achadas, por sorte ou predestinação (insistência)
Coisas são perdidas, por persistência ou distração
coisas são guardadas em lugares tão escondidos sem direção possível nessa materialidade
sabendo de coisas ociosas perdidas encaotadas na gaveta do supramundo enigmatico psicodélico
clara mente nada
travessia

nunca subestime os ditos populares

sai de casa
estava andando pela rua...
foi quando passei por três pintores pintando em imperfeita sintonia - pintavam um singelo muro - o da direita pintava para direita, o da esquerda pintava retas para esquerda, e o do meio pintava em círculos calculados.
Com toda aquela bizarrice, meus passos foram ficando cada vez mais lentos e pude ouvir a conversa:
ano que vem tô na boa! vou ser coveiro - disse o da direita com ar de despreocupação

...

disconjurooo!! - disse o da esquerda perturbadíssimo
vai cuidá de gente morta? - completou o do meio de olhos esbugalhados
NÃOO! vou vender couve na feira