ENXERGAVA TUDO PRETO, PONTILHADO COMO SE TIVESSE CAIDO EM UM APARELHO FORA DO AR, CHAPISCADO CALEIDOSCÓPIO NEGRO DE VERÃO. SENTADA NO BARCO CONTINUEI IMÓVEL DE CORPO, POR QUE A MENTE TINHA A VORAZ ÂNSIA DE ESCREVER QUALQUER COISA, QUALQUER LINHA ABSURDA, DESNUDA, AGUDA , FELPUDA, CASACUDA, LÍRICA, TESUDA, CARNUDA, DUVIDOSA, ASQUEROSA, SEI LÁ...

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Transtornos Neuróticos Contemporâneos



Semanas esperando
Um curso de sábado; nunca imaginei tamanha ansiedade.


No dia de realizar meu desejo, há tanto incubado, acordei 10h da manhã. A contação de histórias começaria 14h, não precisa dizer que é da tarde, né? isso mesmo! era um curso para aprender a contar histórias, e a ouvir também. Mas não pense que era um curso clandestino, para mentirosos, estelionatários, ou algo assim; pelo contrário, era um aprendizado de vida - vivida e vivenciada.


Passei noites em claro, confabulando: o que diria? qual história contaria? como me comportaria? será que gostariam de mim? da gola do meu vestido? (essas ocasiões pedem gola, e das grandes) e do meu cabelo? Acho que dei uma exagerada no laquê, é, uma levíssima exagerada.


MEUS DEUSES DOS CÉUS!
O relógio marcava 13h.
Fiquei com os movimentos desarticulados. Estava atrasada!


Comi rapidamente, coisa que não estava acostumada, um macarrão alho e óleo, eis outra coisa incomum, pelo menos para mim. Consegui a receita com uma amiga, que ao ditá-la, confessou o tal segredinho, aquele que existe em qualquer culinária. Para ficar perfeito, no ponto... muito óleo, ou muito alho? Por via das dúvidas, usei muito dos dois.


Sai correndo, nem assim. Correndo, esbarrando, suando desengonçada, atropelando transeuntes alheios...


Cheguei quase 1h atrasada. Que vergonha!
Acomodei-me em uma cadeira na última fileira.


30 min depois, meu estômago começou a reivindicar existência.
Como se o houvessem engravidado dois monstros fantásticos, ele se remexia, se contraia, se tremia espasmodicamente...


Agüentei essa luta mediúnica sabe-se lá quanto tempo. Mas fui valente, forte, inteligente, despudorada... é despudorada! Pois, vagarosa e elegante, corri para o banheiro. Fiz isso barbaramente decidida!


Chegando ao jardim das delícias, quase um lapso de orgasmo, a não ser pela triste verdade: as duas únicas cabines estavam ocupadas.


Me remexi, me contrai, me tremi.


Quanto mais eu rezava, tanto mais a fila atrás de mim crescia; brotavam mulheres por todos os lados, quase uma procissão improvisada (claro que se outras estivessem rezando, talvez até estivessem, por motivos diversos, dos quais jamais saberemos).


Os monstros do estômago ainda guerreavam bestiais.


Finalmente, uma senhora saiu do banheiro e disse “não tem papel!”


Olhei estarrecida para os lados, mexendo a cabeça num ritmo descontrolado, e percebi aquele maravilhoso papel lixa de secar as mãos. É isso!


Entrei na cabine como quem descobre o sentido da vida. Descarreguei toda minha consternação, sem me preocupar o quanto esse despertar de uma nova vida seria inoportuno. Frente à irrelevante platéia, deu-se o legitimo Nirvana, acessível, aflito, malcheiroso!


A pior desgraça estava por vir, porque a senhora mensageira do papel esqueceu-se de avisar sobre a falta d’água. (AAAAAAH!!!!)


Despencando em meio a assuntos femininos e risinhos extrovertidos, retirei leite da pedra, pois em abrangente meditação, consegui um último e tímido esguichinho.


A tampa estava fechada, recorri a todos os santos e também aos deuses que tinha apelado antes, mesmo tendo eles sido bastante ingratos.
Por favor, rogai por mim, crente pecadora! levem essa maldita escultura de barro falsificado.


Quando tive a coragem de abrir...


Lá estava ela, uma bolinha abastada, rebelde e cheia de si mesma.


SIM! VOCÊ saiu vitoriosa!


Só não lhe disse umas boas verdades, porque minha situação ficaria ainda pior: a coisa estava preta, definitivamente, não cheirava bem.
Com o gritinho de agora pouco, já ouvia dissonantes comentários. (Tá bem! Não foi tão gritinho assim; vamos, cortem minha cabeça, acabem logo com isso!)


Precisava pensar em outra saída, outras possibilidades.
Deixar aquela bolinha ali, fora de cogitação.


Pensa; Pensa; Pensa. (Todos os meus pensamentos foram despejados).


Pegue-a.
Sopraram no meu ouvido. Não sei de onde veio esse impulso - eu juro!


O câncer se apossava de todo meu corpo. Precisava sair dali, daquele buraco, daquele antro fétido de excretas.


Distraidamente, começava a ver flores multicoloridas, suculentas, exalantes de um aroma a dama da noite. Um alivio, estranho abismo da imaginação.
Sentia-me debruçada em uma janela sem vista; enxergava madeira maciça, uma porta fechada para o mundo, que corria despercebido.


Imbuída num desespero enraivecido, fora desse corpo, acertei a mão delicada na afável lixeira, para resgatar meu próprio papel, afinal, era meu, e eu não poderia investir nessa empresa de mãos abanando.


E foi assim: com meu próprio papel, tentei agarrar minha própria bolinha.


NÃO!


Ela se desfaleceu, multiplicou-se claramente e revidou: “Somos todas parte de você, mulher despudorada!”
Aquela bola de merda!


“VAI TOMAR NO CÚ!” Respondi a altura da baixaria.


Derrotada.... procurei me recompor. Sem tocar em mim, é claro!
Levantei o olhar de mulher despudorada, sai da cabine e elegantemente avisei à seguinte:


“Cuidado! Está sem água”.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

estarindo sendo


(foto: Daya Gibeli)

quem sou enxerga o duplo das coisas estáticas. a sombra do ser que não é.

Caleidoscópio de coisas macabras e multicoloridas, transgressão do além de um além.

Aquém desse mundo parado, perpetuo-me em lugar que de corpo permaneço e de alma estremeço; do avesso e vice-versa.

Viagens infinitas pela janela do mundo. imagens disformes, reescritas, atadas...

Deliberada, enfim, deixo caminhos do passado, demolidos logo atrás de passos embriagadamente firmes.

Sem saber ao certo quanto é? o que vale? um aprendizado, subjugado, alado, salvaguardado.

Vida de inseto; vivo no teto, grudada, com pernas minúsculas, de cabeça para baixo ou para cima, não sei.

Só sei que questionam: à que conclusões, invenções, ilusões, intenções; no caldeirão maldito de todos os “ões”

grilhões de distorções forjando conscientizações.

Morando dentro de mim há um vão inconsumível, fantasiosa lacuna de rachadura espumosa, queda de bolhas: a norma do ser e o direito do dever; estas transportadas pelo plasma como qualquer hormônio (des)regulador.

Só me resta o “querer” soterrado em terra improdutiva, desvairada astúcia do homem, que pensa que é, mas é apenas a sombra do que não é...