ENXERGAVA TUDO PRETO, PONTILHADO COMO SE TIVESSE CAIDO EM UM APARELHO FORA DO AR, CHAPISCADO CALEIDOSCÓPIO NEGRO DE VERÃO. SENTADA NO BARCO CONTINUEI IMÓVEL DE CORPO, POR QUE A MENTE TINHA A VORAZ ÂNSIA DE ESCREVER QUALQUER COISA, QUALQUER LINHA ABSURDA, DESNUDA, AGUDA , FELPUDA, CASACUDA, LÍRICA, TESUDA, CARNUDA, DUVIDOSA, ASQUEROSA, SEI LÁ...

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Transtornos Neuróticos Contemporâneos



Semanas esperando
Um curso de sábado; nunca imaginei tamanha ansiedade.


No dia de realizar meu desejo, há tanto incubado, acordei 10h da manhã. A contação de histórias começaria 14h, não precisa dizer que é da tarde, né? isso mesmo! era um curso para aprender a contar histórias, e a ouvir também. Mas não pense que era um curso clandestino, para mentirosos, estelionatários, ou algo assim; pelo contrário, era um aprendizado de vida - vivida e vivenciada.


Passei noites em claro, confabulando: o que diria? qual história contaria? como me comportaria? será que gostariam de mim? da gola do meu vestido? (essas ocasiões pedem gola, e das grandes) e do meu cabelo? Acho que dei uma exagerada no laquê, é, uma levíssima exagerada.


MEUS DEUSES DOS CÉUS!
O relógio marcava 13h.
Fiquei com os movimentos desarticulados. Estava atrasada!


Comi rapidamente, coisa que não estava acostumada, um macarrão alho e óleo, eis outra coisa incomum, pelo menos para mim. Consegui a receita com uma amiga, que ao ditá-la, confessou o tal segredinho, aquele que existe em qualquer culinária. Para ficar perfeito, no ponto... muito óleo, ou muito alho? Por via das dúvidas, usei muito dos dois.


Sai correndo, nem assim. Correndo, esbarrando, suando desengonçada, atropelando transeuntes alheios...


Cheguei quase 1h atrasada. Que vergonha!
Acomodei-me em uma cadeira na última fileira.


30 min depois, meu estômago começou a reivindicar existência.
Como se o houvessem engravidado dois monstros fantásticos, ele se remexia, se contraia, se tremia espasmodicamente...


Agüentei essa luta mediúnica sabe-se lá quanto tempo. Mas fui valente, forte, inteligente, despudorada... é despudorada! Pois, vagarosa e elegante, corri para o banheiro. Fiz isso barbaramente decidida!


Chegando ao jardim das delícias, quase um lapso de orgasmo, a não ser pela triste verdade: as duas únicas cabines estavam ocupadas.


Me remexi, me contrai, me tremi.


Quanto mais eu rezava, tanto mais a fila atrás de mim crescia; brotavam mulheres por todos os lados, quase uma procissão improvisada (claro que se outras estivessem rezando, talvez até estivessem, por motivos diversos, dos quais jamais saberemos).


Os monstros do estômago ainda guerreavam bestiais.


Finalmente, uma senhora saiu do banheiro e disse “não tem papel!”


Olhei estarrecida para os lados, mexendo a cabeça num ritmo descontrolado, e percebi aquele maravilhoso papel lixa de secar as mãos. É isso!


Entrei na cabine como quem descobre o sentido da vida. Descarreguei toda minha consternação, sem me preocupar o quanto esse despertar de uma nova vida seria inoportuno. Frente à irrelevante platéia, deu-se o legitimo Nirvana, acessível, aflito, malcheiroso!


A pior desgraça estava por vir, porque a senhora mensageira do papel esqueceu-se de avisar sobre a falta d’água. (AAAAAAH!!!!)


Despencando em meio a assuntos femininos e risinhos extrovertidos, retirei leite da pedra, pois em abrangente meditação, consegui um último e tímido esguichinho.


A tampa estava fechada, recorri a todos os santos e também aos deuses que tinha apelado antes, mesmo tendo eles sido bastante ingratos.
Por favor, rogai por mim, crente pecadora! levem essa maldita escultura de barro falsificado.


Quando tive a coragem de abrir...


Lá estava ela, uma bolinha abastada, rebelde e cheia de si mesma.


SIM! VOCÊ saiu vitoriosa!


Só não lhe disse umas boas verdades, porque minha situação ficaria ainda pior: a coisa estava preta, definitivamente, não cheirava bem.
Com o gritinho de agora pouco, já ouvia dissonantes comentários. (Tá bem! Não foi tão gritinho assim; vamos, cortem minha cabeça, acabem logo com isso!)


Precisava pensar em outra saída, outras possibilidades.
Deixar aquela bolinha ali, fora de cogitação.


Pensa; Pensa; Pensa. (Todos os meus pensamentos foram despejados).


Pegue-a.
Sopraram no meu ouvido. Não sei de onde veio esse impulso - eu juro!


O câncer se apossava de todo meu corpo. Precisava sair dali, daquele buraco, daquele antro fétido de excretas.


Distraidamente, começava a ver flores multicoloridas, suculentas, exalantes de um aroma a dama da noite. Um alivio, estranho abismo da imaginação.
Sentia-me debruçada em uma janela sem vista; enxergava madeira maciça, uma porta fechada para o mundo, que corria despercebido.


Imbuída num desespero enraivecido, fora desse corpo, acertei a mão delicada na afável lixeira, para resgatar meu próprio papel, afinal, era meu, e eu não poderia investir nessa empresa de mãos abanando.


E foi assim: com meu próprio papel, tentei agarrar minha própria bolinha.


NÃO!


Ela se desfaleceu, multiplicou-se claramente e revidou: “Somos todas parte de você, mulher despudorada!”
Aquela bola de merda!


“VAI TOMAR NO CÚ!” Respondi a altura da baixaria.


Derrotada.... procurei me recompor. Sem tocar em mim, é claro!
Levantei o olhar de mulher despudorada, sai da cabine e elegantemente avisei à seguinte:


“Cuidado! Está sem água”.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

estarindo sendo


(foto: Daya Gibeli)

quem sou enxerga o duplo das coisas estáticas. a sombra do ser que não é.

Caleidoscópio de coisas macabras e multicoloridas, transgressão do além de um além.

Aquém desse mundo parado, perpetuo-me em lugar que de corpo permaneço e de alma estremeço; do avesso e vice-versa.

Viagens infinitas pela janela do mundo. imagens disformes, reescritas, atadas...

Deliberada, enfim, deixo caminhos do passado, demolidos logo atrás de passos embriagadamente firmes.

Sem saber ao certo quanto é? o que vale? um aprendizado, subjugado, alado, salvaguardado.

Vida de inseto; vivo no teto, grudada, com pernas minúsculas, de cabeça para baixo ou para cima, não sei.

Só sei que questionam: à que conclusões, invenções, ilusões, intenções; no caldeirão maldito de todos os “ões”

grilhões de distorções forjando conscientizações.

Morando dentro de mim há um vão inconsumível, fantasiosa lacuna de rachadura espumosa, queda de bolhas: a norma do ser e o direito do dever; estas transportadas pelo plasma como qualquer hormônio (des)regulador.

Só me resta o “querer” soterrado em terra improdutiva, desvairada astúcia do homem, que pensa que é, mas é apenas a sombra do que não é...


domingo, 23 de novembro de 2008

Amores líquidos



Um olhar em suspiro de tempo etéreo. Pêlos longos ondulavam-se esbranquiçando a ardósia do chão. A languidez abaulada continuava a mesma... sempre.



De um lado para o outro; de lá para cá, de cá para lá, lá cá, cá lá.

(o rabinho presunçoso).

Numa noite acinzentada, de movimentos espaçosos e carnais, uma imagem esvaiu-se em corpos inexistentes pela ausência do dentro.

Quase atingindo a irmandade de serem idênticos; Cores quentes, Olhares aluados, Felinamente Scorpiones... solo distante, de almas esculpidas para amar, tamanha a beleza de seu desembaraço.

Uma textura acromática derramou-se pelo entorno, tingindo-o com maciez e rugido.

oh! Ohooooohiiiiiiuiiuiui! Aleluiaaaa!


O milagre delicioso da vida. Densamente Acontecendo. rebentos desse mundo que não existia, um mundo sem vontade.

lugar que surge e independe de gênero.

Primeiro abrangem possibilidades e verossimilhança; depois a matemática perfeita, imponderável.

Vega, espantosa genética de gigantear-se em estrela mais brilhante











Tigresa pintada, evolução analogamente ancestral de manchas chapelisticas.








Wiska, fenótipo Ursae por quatro ventos que lhe sopravam aquela predileção.






Menorzinho, pela rebeldia ao apego à consangüinidade. sem permissão para emancipar-se tradicionalmente, eterniza-se em si mesmo.





Apenas um grito, que por ser o mais alto, dissipa-se ao ser dito.










Publicizando sua alma secular e ofegante, vai para a pedra escondida no breu invertido da madrugada.





A matriarca Lua Branca Branquinha Marilyn Moore assiste o pulsar de águas impetuosas e corporificadas, fluindo sem destino ao além-terra.

A vertigem por um fio em espiraL



Sempre chego à escola no mesmo horário.

Sento no meu banquinho, beirando a fonte dos prazeres onde ele se debruça, matinalmente, feito um ritual.

Sei bem que ele vai passar

A qualquer momento eterno, para se banhar de uma água rápida que inunda.

De rabo de olho, capto um milhão de imagens da gota que escorre lúcida.

Se tremo? Não sei, mas chego a ficar anestesiada.

Obvio ninguém percebe porque a conversa flui normalmente. Não mudo nem a expressão, ganho uma capa, um revestimento de cera, o rosto assume uma feição inteira, inesgotável.

O momento é engraçado, como se tivesse que assumir dois corpos: são dois, que se complementam, se dissipam, seguem opostos, retornam e me fundem.

A cabeça até apita!

Final de semana? No caminho frenético do real ao imaginário, digo sim, digo não.
Minha fantasia não era prêmio de se dividir com ninguém...

O sino badalou três vezes.

Cada som de alerta me deixava à espreita.

A lei imposta era: tentar a qualquer custo roçar os cotovelos.

Com passos sincronizados ultrapasso barreiras de gente. Intacta, calculo milimétricamente e entro com toda força na ressaca de ossos sedentos, estranhos, mas que se entendem pelo toque, quase artificial.

A cadeira da frente era grafada com a marca da minha ambição, aquela terra era minha, foi lá que conheci o mundo e me curvei a ele. Talvez não possa ser meu! Mas preciso existir me materializar. Dar um jeito de tocar a testa dele e aparecer, é pura física, lei das possibilidades.


Um belo dia quando a monotonia tomou conta de mim,
sentada no vale da expectativa desmedida, só buscava a face do tempo em que tudo andava devagar, perceptível, insolúvel.


Numa fração obscura, o adesivo da caneta pregada entre meus dedos incomodou. Estava obstinado a tomar aquela ânsia de acontecimentos para si, grudava e repuxava os pêlos invisíveis, reivindicando existência. Com desdém arranquei o adesivo inconveniente. Quanto mais tentava me livrar, mais se aderia à ponta de meus dedos.

Em meio àquela luta interna, a sala começou a se movimentar e preencher seus lugares, como num aviso de alerta: “Ta na hora.”

Já ultrapassava a porta com olhar compenetrado, assim, livre de julgamentos.
Sentei-me corretamente, meus olhos logo mudaram de rumo para iludir indiferença.
Ele, nervoso, deixou cair o apagador, uma nevoa densa veio de encontro a mim e um espirro ensurdecedor saiu descontrolado.

Apertei o nariz da vergonha para que não se repetisse.
Com uma delicadeza espontânea, ele me olhou desejando saúde.
Para agradecer sorri e senti alguma coisa colada em meu nariz.

“Como assim?”

Minha mão involuntariamente tocou uma coisa gosmenta que meus olhos alfinetaram.
Foi minha pena de morte.

“Uma meleca!”

Durante um segundo, pairou este pensamento.
Num outro flash brotou a caneta e o maldito adesivo que foi um intruso em minha vida.

Devo ter ficado horas trabalhando ele, enrolando...
Fazendo-me inteira com a visão do céu e caindo direto no inferno.

“Que ótimo!”

E ele de costas, provavelmente, estava rindo com seus pensamentos:

“Que meleca enorme”

Tava escrevendo até mais lento.

“E essa coisa? Será que ponho no chão? Me larga!

Se bem que... abaixar vai ser terrível.

A cadeira... cruzes!

Que nojo!

Pêra ai? Garota, você ta ficando doida é só uma bolinha verdinha de cola.

Nossa, mas como lembra uma meleca!”

Ai, ele virou de novo para mim, deu o sorriso mais lavado do mundo, despudorado.

Fiquei com as mãos aparentes e comportadas.

Não podia achar que dispensei a prova do crime na cadeira ou na mesa, seria um cataclismo. Precisava ficar firme só mais umas duas horas, talvez menos, talvez mais.

“Eu agüento!”

E se eu fosse ao banheiro? NÃO!

Ai ele vai achar que meu nariz está imundo há horas e eu não tive a coragem de limpar.
Melhor ainda, tenho certeza de que não viu a meleca...

Pior é que com certeza viu!

“Calma só mais duas horas”, meditava incansavelmente.

Já cansada daquela situação nojenta,
tive uma grande idéia: colocar a carrasca bolinha na folha do caderno.

“É TUDO!”

Isso! todo mundo mexe no caderno na sala,
não esfrega a mão na mesa, nem na cadeira, mas no caderno...
Meus dedos foram autônomos, como se estivessem caminhando rumo ao pôr do sol,
em total sincronia.
No meio da discreta folha branca, brotou uma coisa gigantesca que esmaguei impiedosamente com a capa do caderno.

O terremoto estrondoso chamou a atenção geral.
Havia um tempo em que não estava ali e agora estava.

Ele se aproximou lentamente com ar de desaprovação, meus olhos se lubrificaram de vergonha.
Segurou o caderno, eu agonizei.

“Para, pelo amor de deus!” Supliquei em silêncio.
Tentei me manter calma e disse para ele ter calma,
enquanto abria a capa do caderno e retirava uma folha, a folha...

“Essa não!”

Gritei no vácuo, dava passos e mais passos para escuridão no abismo da loucura.
Cada furo que se soltava do espiral me embriagava de vertigem.

Tudo ficou preto, não sabia se era sonho ou verdade.

Acordei em um lugar todo branco, iluminado,
impregnado com um leve cheiro a formaldeído.

“Será que morri?”

Logo veio um homem todo de branco perguntando se eu estava bem, se era a primeira vez que isso acontecia.

Respondi que sim.

Bem,

pelo menos fui para casa e nunca precisei saber o que aconteceu realmente.

sábado, 25 de outubro de 2008

Carranca, pirata de todos os mares


Carranca era o mais horripilante pirata de todos os mares.


Também era o mais feio, o mais mal-humorado, o mais briguento, o mais egoísta e mais; mais tudo de ruim que tiver no mundo inteiro.


O pirata de todos os mares não tinha amigos, tampouco uma tripulação para comandar em seu caveirento navio.


Viajava sozinho com uma perna de pau falante que fora amaldiçoada, há muitos anos atrás, pela Feiticeira Ecritela, conhecida como nariz de tomada.


A tagarela perna já tinha ganho vida própria.


Tinha até nome, chamava-se Nenhumpio.


Era tão independente, que nem parecia fazer parte do corpo de Carranca.


Um belo dia, navegando para a imensidão do sem fim, Nenhumpio avistou uma cristalina garrafa boiando.


– CARRRRAAANCA! GARRAFA À VISTAAAA! – gritou a perna bamboleando.


– Controle-se criatura!! – respondeu trocando o rumo da embarcação.


Seguiram em direção a garrafa.


Chegando bem perto dela, o pirata de todos os mares jogou uma rede para pescá-la.


– O que é? O que é? O que é? – desesperava-se a perninha.


– Quer parar com isso?!


– Foi você quem começou! Para que tanto mistério? – queixou-se a perninha impaciente.


– Não seja tolo, seu pedaço de pau insuportável! – e argumentou nervoso. – O dono pode estar por perto, precisamos nos disfarçar.


Carranca vestiu um fabuloso cocar multicolorido para o caso de passar algum navio.


Pronto! Estava pronto.


Agora era impossível que desconfiassem de alguma coisa.


Abriu a garrafa, cuidadosamente, para não danificar o envelhecido papel que estava dentro dela; quase um pergaminho.


No pergaminho tinham uns escritos estranhíssimos, talvez até de um povoado ainda não descoberto.


Mas, no meio daquele bololo de letras minúsculas, o pirata de todos os mares descobriu um X vermelho levemente apagado.


– UM TESOURO!


– xiiiiiii!


Nenhumpio engoliu a empolgação.


A viagem em busca do tesouro começou imediatamente.


Navegavam navegavam navegavam... durante dias e noites.


Nunca fizeram uma viagem tão grande em busca de um tesouro.


“Deve ser enorme”, pensava o pirata todos os dias.


Chegaram a uma ilha deserta, muuuito distante.


Lá, da praia, contaram trinta e três passos, dezessete coqueiros, duas palmeiras imperiais, cinco pitangueiras, dois macacos (que com passar do tempo já tinham um filhotinho), treze pedras arredondadas, um bambuzal verde e amarelo, uma poça d’água suja e...


– O TESOURO!


– Cale-se Nenhumpio! A floresta pode nos ouvir... – disse baixinho.


Carranca cavou, cavou e cavou de novo, até que... pá!pá!pá! a terra ficou dura como pedra. Tinham achado alguma coisa.


Então o pirata de todos os mares retirou do buraco um enorme baú.


“Bem como eu esperava”, pensou ele.


– Nouuussa! Estamos ricos mil vezes infinito!


Quando Carranca abriu o emperrado baú, tanto a contente perninha tagarela como ele próprio ficaram desapontados.


– Mas o que é isso?


– Parecem coisas de neném.


– Não sou cego Nenhumpio! Isso deve ser alguma brincadeira!


Carranca impaciente e com as mãos para traz começou a andar de um lado para o outro.


Enquanto isso, Nenhumpio analisava o tesouro, mas sem conseguir vê-lo direito, pois o pirata de todos os mares não parava quieto, e a perninha era um pouco míope, ainda mais, quando estava em movimento.


– Olha! Tem muita coisa de prata, a gente pode vender na cidade.


Carranca reparou que, pela primeira vez, Nenhumpio tinha razão. Agarrou o baú e começou a fazer o caminho de volta.


Passando pela poça d’água suja, pelo bambuzal, as pedras... chegando bem onde estava a família de macacos, cruzou com um senhor de uns setenta anos, que o parou e perguntou para ele sobre o baú.


– Achamos primeiro seu velhaco! Precipitou-se a perninha


– Continue marujo. – disse Carranca


– Meu bom homem, estou há setenta anos procurando este tesouro. Tem uma coisa nele que me pertence... somente uma coisa.


– Darei o que é seu de direito por uma condição.

­

– Senhor... é apenas o último pedido de um ancião.


– Como chegou aqui? Se nós estávamos com a garrafa?


– Vinha nadando do mar vermelho em busca dessa garrafa perdida. Foram tantos anos, muitíssimos anos..
Até que avistei uma luz cristalina refletindo na água. Percebi eufórico! Mas vocês foram mais rápidos do que eu.


Carranca e Nenhumpio fitaram os pés do velho e perceberam que ele tinha guelras enormes.


Com certeza tinha vindo nadando.


– Veja lá o que vai escolher! – aconselhou o temido pirata, largando o baú no chão.


O homem ajoelhou-se diante do baú e começou a jogar toda aquela quinquilharia para o alto.


Retirou do fundo do baú uma chupetinha transparente, de plástico.


– Obrigada! Ainda bem que vocês gritaram que a garrafa estava à vista, assim pude me aproximar do barco e ver...


– Veja seu paspalho! Fica gritando o que não deve. – dirigiu-se a Nenhumpio


– Se acalme seu pirata, não foi por isso que eu vim parar aqui, na verdade, foi só coincidência.


– Coincidência?


– Observe que eu cheguei pertinho da embarcação e vi voando lá de cima, até a água aonde estava, uma pena verde-alaranjada. Ocorreu-me na hora que deviam ser índios navegadores e que, com certeza, o tesouro estaria numa ilha tropical.


– E veio parar logo aqui? Nesta ilha, essa mesma ilha, só esta, mais nenhuma?


– Vim seguindo o rastro de penas; ora bolas!


O cocar realmente havia chegado mais magro.


Carranca sentiu-se um idiota.


– Vá logo com isso!


O velho feliz da vida quis retribuir ao quase pirata; quase porque um pirata de verdade nunca daria, sem uma luta de espadas, parte de seu tesouro.


O velho retirou do bolso uma lustrosa moeda de ouro e deu para Carranca.


Depois o velho correu para o mar, mergulhou fundo e sumiu para sempre.


O pirata de todos os mares, pela primeira vez, parou para pensar...


Pensou que não se lembrava de ter tido uma chupeta quando criança.


Seus olhos se encheram d’água; fitou Nenhumpio que já chorava silenciosamente.


Olharam-se com ternura.


– Nenhumpio, você é o único que me apóia.


– Também te amo. – desabafou a perninha, já fazendo uma poçinha no chão.


Foram embora tão felizes, mais tão felizes, que até esqueceram o tesouro.


Por outro lado, a moeda de ouro...

enfiaram no bolso da casaca.


segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Aquele dia,



abraçados pelo silêncio revelador;

tentei destilar as intenções de Luz.

Ela simulava indiferença – coisa de menina.

Endurecendo a expressão para evitar um ato de êxtase,

buscou uma feição plana de manequim.


O sentimento gélido ignorava a gravidade,

podíamos estar levitando como borboletas sonâmbulas.

O coração crepitava,

ouvíamos a corneta dos anjos

Seguravam minhas mãos no escuro quando criança


Num lapso, uma vertigem

Desfigurava-se

a imagem da mulher a minha frente,

porque ali tínhamos deixado de ser inocentes.

Desejo Vontade Necessidade.

Queria gozar daquela turgidez alucinógena...

Um estupor de coma.

IDcavalo


Muitas vezes,

nos casamos com nossas doenças.

Nossos vícios...

Por que ser sadomasoquista?

Cavalgamos neles acreditando ter as rédeas,

mas se realmente eles quiserem nos guiar

Danou-se.

O cavalo é bem mais forte.

É como uma fome úmida,

capaz de deixar os lábios grudados,

ai nos calamos náufragos.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Imprevisão do gozo: sucção sem objeto



Quisera ser a serpe veludosa
Para, enroscada em múltiplos novelos,
Saltar-te aos seios de fluidez cheirosa
E babujá-los e depois mordê-los...


Carnais, sejam carnais tantos desejos,

O sangue impuro e flamejante
Carnais, sejam carnais tantos anseios
Ressurges dos mistérios da luxúria,
Em seu torso lúbrico de bacante


Do gozo haurindo os venenosos sucos

Entre os silfos magnéticos e os gnomos
Amores mais estéreis que os eunucos!


Numa espiral de elétricos volteios,
Na cabeça, nos olhos e nos seios
Fluíam-lhe os venenos da serpente.


Era a dança macabra e multiforme
De um verme estranho, colossal, enorme,

Do demônio sangrento da luxúria!


E fico absorto, num torpor de coma,
Na sensação narcótica do aroma,
Dentre a vertigem túrbida dos zelos.


És a origem do Mal, és a nervosa
Serpente tentadora e tenebrosa,
Tenebrosa serpente de cabelos!...

(Partes holísticas - Cruz e Souza)

domingo, 5 de outubro de 2008



Não tenho mais pele
só me resta o ressecamento
do rosto entrevado pelo tempo







É madrugada... mais uma vez
recebo a visita da obstinada companheira
que me corta as pálpebras em absoluta solidão
Minha estrutura de homem cai comum chiado
a ressonância insuportável das cordas



Deitado em octaedros de pedras
Iludido por um fino lençol verde musgo
Não consigo, tenho que me manter acordado
Levanto arrastando um pouco o lençol
Abro um livro com uma capa de pessoas azuis, um pouco estranhas, derretido, escorregadio.


Uma delas aspirava um cigarro enchendo os pulmões, de maneira que seus seios avolumavam-se por sobre o decote de renda portuguesa; as pernas cruzadas, alinhadas em diagonal.
Aaah (gemia! e como) desenvoltura singular, num voluptuoso biquinho, tragava magistralmente o cigarro

Tinha uma piteira enorme e negra.
Sempre tive esse sonho: uma piteira enorme e negra.
Dizem que é coisa de mulher!
O charmoso mistério da mulher está no cigarro... ou na piteira?


Uma vez, estava quase crescido, uma menina chamada Paula me disse: “você é um garoto simpático, e mais nada.
Entre aborrecido e contente pensava no “mais nada”. Talvez fosse melhor que ser simpático; nada impressionante.
Pobre moça. Vivia escondendo sua feminilidade com tenizões, camisas estampadas e jeans.



Coitada.


começo a ter pena dela, talvez quisesse ser outra pessoa
Sentir de outra maneira, pensar outra coisa...


Um lugar estranho a sedução
Sempre tive esse sonho: ser sedutor
mas Como? Cheio de pêlos nas costas.
Arrancaria um por um se fosse possível
Eu vivia de camisão para esconder minha masculinidade.

Começo a ter pena de mim pra mim.

Sempre tive esse sonho: um lugar escuro, desconhecido. Lá não se sabe o que se pode achar. Inconsciente de meus atos. Sempre acordava do mesmo jeito
Com o mesmo livro aberto na mesma página. Não sei o que está escrito naquela página, normalmente, só me recordo da capa.
Ao acordar, folheio o livro... sempre no canto direito da página não consigo me lembrar do número.
tem uma marca de caneta, um simples traço ininteligível; olhando para todos, apenas formam um grupo de traços desconhecidos entre si. Ninguém sabe para que servem, nem para onde vão. São só traços. desprovidos de elo-elo-elo
Mas o nome do livro (esse sim) pode ajudar em alguma coisa: os prêmios, algo assim

sexta-feira, 3 de outubro de 2008




Dormindo... acordada
Pensando em sonho
Real
Encontro imediato
Você 
Passivo entrelaçado 
Coagido
Pela fúria da paixão
Tocou meu corpo 
Incandescente
Transcendental
Da razão e do espírito
Enamorados 
Pela força iminente 
Invasora
Desprovida de controle
Sopro tênue de volúpia
A vida se fazendo inteira, cíclica 
Inevitável
De amigo vira amante
Doravante
Embriagar-se de prazer
Marcou seu nome em minha pele
Sem querer 

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

ÁGUA NEGRA

OS 5ELEMENTOS:

elemento nada°°° porque eu não consigo achar esse número

EU, EU MESMA E PARTE DE UM OUTRO EU

Argonautas do pôr do Sol

Tormenta, lá vem o vendaval...

Gansos em movimento

BANQUETE BARANGANSTOCK

ALIGÁTORS IN CONCERT

ALIGÁTORS SIDE-SCENES

Régia Vitória Beija o Sapo

ÊLAIAH LAIAH ÊLAIAHLAIAH... LALALALALALALALA

em alguma Caixa d`Água

OLHo do CÃo

Lord. Inglês e sua esposa desalmada

A marcha reta

O que aconteceu? antes do banhinho

Quinta-feira, 14 de Agosto de 2008

ÁGUA NEGRA - um brinde de sianureto

sexta-feira, 12 de setembro de 2008


elemento nada°°° porque eu não consigo achar esse número


O primeiro emprego sempre é uma experiência inesquecível. Quando completei não mais que dezesseis anos, arrumei o meu. Consegui meu contato na praia, mas também não podia ser de outro jeito, lá era meu fiel escritório. Fui fazer a entrevista em uma casa inusitada. Tinha garagem de ardósia vermelha para uns dois carros, um atrás do outro. O lugar tinha um quintal exótico, dividido pela garagem. Do lado direito era escurinho, coberto por árvores, não muitas, o suficiente. Havia um caminho de bolachas de madeira grossa feitas de jaqueira, no final da caminhada, chegávamos a um cantinho aconchegante com tocos largos usados de bancos espalhados em rodas formando círculos tão curtos e tão próximos, muitas vezes nas tangentes existentes entre as circunferências, bundas estranhas se encontravam. Do lado esquerdo era tudo clean, um espaço gramado com uma sinuca ao fundo e duas mesas interativas. Visão panorâmica do espaço. Rente às mesas avistei um parapeito com uma singela rede de pesca simulando uma parede, espécie de isolamento do teto à muretinha de concreto. Não se podia meter o braço. Penduraram na rede uma intrigante placa de CUIDADO! Achei a decoração divertida: “que doido”.
Explorando o território fui aliciada pela curiosidade e num instante estava na tal redinha. Foi quando meus olhos encontraram outros olhos resignados, que pareciam duas bolas de gude lustradas, negras cor de bismuto, o fio de luz ofuscado, intenso num constante semi-sono, lembravam um abismo de rochas preciosas. Voltando à razão, me dei conta de que eram dois pares de olhos estáticos e atentos. Percebiam a respiração de um mosquito, o desprender de um fio de cabelo, o tremer de pálpebras num piscar sem aviso. Olhos irracionais, há tempos involuntários, desalmados. Senti um desgosto supremo que me percorreu gelado do dedo do pé à cabeça: “Forró do jacaré”. A clarividência mórbida me deixou nauseada: “Execrável!”. Estranhamente, misturava-se a vertigem uma oculta satisfação: “Posso encará-los”. O casal parecia hibernar; imóveis, parados a qualquer suspiro atravessando a estrada do tempo.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

EU, EU MESMA E PARTE DE UM OUTRO EU

ÁGUA NEGRA °° quem somos nós?

Ian, meu futuro patrão, perguntou se tinha gostado de seus filhos adotivos. “Sempre dóceis aos meus ensinamentos”, disse rebolante. Respondi que sim com um sorriso entreaberto sem graça, denunciando a surpresa. Talvez, em uma tentativa de se redimir, Ian me mostrou seus outros hóspedes, a dispensa da casa: gansos robustos com laivos de um azul meio metálico do céu, porquinhos da Índia que gritavam como tenores quando ameaçados, hamsters astutos que formavam pirâmides um montando no outro para iludir os jacarés, pintinhos punks coloridos, galinhas bojudas na ânsia de voar. Era a comida mais animada que já vi. Como se passassem a eternidade anestesiados pela gula tornando-se adiposos e deliciosos. E por não estarem distraídos, eram devorados. Que morte mal resolvida, “Será que doía?”. Meu assombro foi perceptível, como consolo, Ian disse que eles não sentiam dor. Acabei me acostumando, o segredo foi não criar vínculos com os moradores, fingia que nem moravam ali e tampouco assistia ao episódio sangrento. Sabia, mas me encobria de não saber, melhor assim. 

sábado, 6 de setembro de 2008

Argonautas do pôr do Sol

ÁGUA NEGRA°°° o pôr do Sol antes da Tormenta
O animal, cujo homem dos anos setenta mais estimava, era um ganso chamado Camilo, e não os jacarés. Certa vez, perguntei por que o nome Camilo; Ian disse que teve certeza de ser uma gansa: Camila. Anos de convivência depois, um amigo integrado na sexologia dos gansos foi capaz de libertar o animal de viver num cataclismo: a dupla personalidade devido à crise de identidade sexual. Mesmo depois de saber o sexo do bichano, continuei a achá-lo assexuado, porque ele nunca se interessava por nenhuma fêmea, o coração meio apagado, alheio ao alvoroço de todas.
Na realidade, Camilo e Ian formavam uma dupla inseparável; passeavam juntos, comiam, andavam de bicicleta, conversavam ao pôr-do-sol, na rua, praia... Ah! Tudo que se faz com um parceiro. O repentino amor – o acima! Um relacionamento invejável, como se tivessem nascido um para o outro. O ganso para o homem e o homem para o ganso. Quem sabe se de repente continuasse a ser Camila tudo seria diferente; provável, não combinariam.
Foi uma fase alegre de minha vida. Todo o fim de semana estava lá, no caixa, era bem tratada e me divertia. Uma maravilha! Até Camilo participava do forró, o bichano já era popular, sentava direto com a gente no bar. Sim, o ganso sentava no banco e só faltava alçar a voz. Em dias em que estava meio alta, chegava a imaginá-lo sofrendo metamorfose, permutando-se a uma figura antropomorfa “o ganso de fraque e charuto”. Havia torrentes de risos quando alguém virava para o ganso e dizia “Fala ai meu irmão!”. Acho que um desejo inconfesso e consensual era que Camilo falasse.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Tormenta, lá vem o vendaval...

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ÁGUA° NEGRA °° uma°°° chuvinha° antes°° do° 1 elemento°°°
Esse momento durou meses ou talvez anos, na adolescência é assim; o tempo corre pingado... a gota quando é grande e demorada fica insuportável, mas quando é fina e refrescante é uma delicia. No forró do jacaré, meus momentos foram uma chuva rala e cristalina como se fizesse poesia.